A IGREJA MATRIZ DE TONDELA

"Falar da Igreja Matriz é falar da ligação incontestável entre o passado e o presente de Tondela o que nos convida, desde já, a uma breve análise dos momentos históricos, mais importantes e significativos, vividos pela comunidade tondelense, desde o século VII aos nossos dias."

António Manuel Matoso Martinho

 

Na época do Imperador Tibério (14-37) qualquer romano que contemplasse a grandeza da sua cidade – a cidade de Roma – teria a impressão de se encontrar perante um sólido e majestoso edifício que se desenvolveria e prolongaria ao longo dos séculos.

Mas eis que, num recôndito lugar da Galileia, surge uma personagem que fala uma linguagem nova e que gera, à sua volta, um movimento singular – cercado de humildes discípulos inflama as multidões com a sua Palavra, exprime-se por imagens e parábolas, apela ao espírito dos que O ouvem, abre os olhos ao mundo ignorado do sacrifício, da renúncia; apela ao aperfeiçoamento interior.

Esta personagem é Cristo, a quem a poderosa Roma, de início, nem dá por Ele.

Mas, a sua Palavra vai marcar o início duma nova era, o começo duma autêntica civilização humana.

“In principio erat verbum” e, pelo Verbo, pela Palavra, Cristo traz a cada um “a sua própria descoberta, a súbita e total compreensão dos destinos, a luz sobre os mistérios do ser e do não ser, as promessas definitivas e esplenderosas de Vida Eterna”.

Após a sua Morte e Ressurreição, Cristo confia aos Apóstolos a difusão da Palavra Divina e, eles aí vão, lançados à conquista do Mundo. Chegam à Península Ibérica e, com eles, a sua Palavra.

A importância histórica da Península Ibérica, o facto de nela habitarem muitos judeus, gregos e romanos e as relações comerciais estabelecidas com as vastas regiões do Império Romano são motivos que explicam que a pregação da Palavra de Deus nestas paragens devia, desde muito cedo, interessar os propagadores da Fé Cristã.

Nas suas “Epístolas” aos Romanos o próprio São Paulo não deixa de revelar o seu interesse em vir, à Península, pregar a Palavra de Cristo ao escrever: Quando me puser a caminho para Espanha, espero que de passagem vos verei e que por vós serei lá encaminhado.

E repete: “Irei a Espanha passando por onde vós estais”(1).

Estando, no ano 58, o Apóstolo São Paulo é preso e levado para Roma, onde durante dois anos esteve encarcerado, o que terá determinado a mudança dos seus projectos mas, nada nos permite, com toda a certeza, afirmá-lo, embora testemunhos respeitáveis pareçam confirmá-lo, como o do Papa Clemente I, contemporâneo de São Paulo.

Posteriormente, aludiram ao seu apostolado na Península, entre outros, Santo Atanásio, São João Crisóstomo e São Jerónimo.

No que respeita ao Apóstolo Santiago, afirma-se que Santiago teria desembarcado em vários portos de Entre Douro e Minho e, antes de se dirigir para a Galiza, teria passado pela cidade de Braga e aí começaram as pregações do Evangelho (2).

O que parece incontestável é que o Cristianismo se propagou cedo em Espanha e, de tal modo se implantou e desenvolveu, que já no século II Santo Irineu invocava a autoridade das Igrejas peninsulares para combater as heresias. Pouco depois Tertuliano dava o Cristianismo como seguido em toda a Espanha.

A vitalidade do Cristianismo foi-se afirmando ao longo dos tempos e manifestou-se, abertamente, no combate às heresias, na celebração de concílios que procuravam manter a integridade da Fé e na obediência à autoridade dos pontífices.

Assim se compreendem as palavras de Santo Irineu quando, nos finais do século II, refere as diferentes Igrejas estabelecidas em Espanha ou, as de Tertuliano, quando salienta o triunfo luminoso de Cristo em todas as regiões e, por toda a Península Ibérica.

Mas as perseguições aos cristãos, pelas diferentes províncias do Império Romano, não deixam de prosseguir embora, por vezes, conheçamos pouco das suas consequências, como foi o caso das vividas no tempo de Nero.

No entanto, o furor das perseguições e o considerável número de mártires por um lado, e a realização do Concilio de Elvira, conhecido por “concilio iliberitense”, o primeiro concílio na Península de que há memória, por outro, reunido entre 300 e 304, isto é, pouco depois das grandes perseguições de Diocleciano e do governador da Hispânia Daciano, atestam o grande desenvolvimento e difusão do Cristianismo na Península.

É, no entanto, com o Imperador Constantino e a publicação do Edito de Milão (313) que se vai dar paz à Igreja, permitindo aos cristãos o livre exercício do culto e a restituição das suas igrejas e bens confiscados durante as perseguições.

Uma leitura dos documentos relativos ao Concilio de Elvira permite-nos concluir, com segurança, da existência de “comunidades cristãs distantes das cidades episcopais” e que, passado um século, é feita uma referência mais explícita no cânon 5, do 1.º Concílio de Toledo, do ano 400, que alude não só a igrejas das cidades, mas também às dos lugares de habitação.

Daí, Monsenhor Miguel de Oliveira reconhecer que “embora faltem testemunhas directas, a organização paroquial se esboçou na Península ainda no domínio romano, com o progresso da evangelização fora das cidades. A instituição desenvolve-se nos séculos VI e VII, mas as paróquias são muito raras e têm geralmente a sede em templos fundados por iniciativa episcopal e chamados igrejas” (3).

A Península vai, entretanto, passar por profundas convulsões politico-sociais resultantes das sucessivas invasões dos chamados “povos bárbaros” – a Península volta a ser campo de batalhas saqueada e devastada, coberta de ruínas e cadáveres.

Mas, o contacto desses povos com as populações romanas já cristianizadas não deixa de os influenciar e, assim, em 589, o rei visigodo Recáredo converte-se com o seu povo ao cristianismo o que é, posteriormente, reconhecido no III Concilio de Toledo.

O facto do catolicismo se ter tornado religião oficial do reino visigótico, a permissão de casamentos mistos e a publicação dum código aplicável tanto a godos como às populações hispano-romanas - Codex Visigothorum – possibilitou criar uma unidade nacional que se manteve até 711, início da invasão muçulmana.

Assim, a Terra de Besteiros que integra Tondela, deveria ter passado pelas mesmas convulsões político-sociais que sofreu o restante território, isto é, ter passado por profundas transformações que modificaram a estrutura da sociedade hispano-goda.

Embora não se conhecendo com clareza como se passou a partilha das terras, o certo é que tal partilha originou o aparecimento duma nova aristocracia territorial, o desaparecimento da pequena propriedade e da classe média e a progressiva preponderância do clero quer no domínio espiritual, quer no político-social.

A progressiva importância do clero veio fortalecer e dar forma aos vínculos de coesão já existentes, embora dispersos pelos casais e agros em que se tinham dissolvido as antigas vilas romanas.

Dos centros urbanos o Cristianismo espalhou-se pelos campos, erguem-se igrejas nos mais variados lugares e, vão ser estes focos de vida religiosa que se vão tornar sedes das freguesias rurais e que, nas palavras de Alberto Sampaio, irão constituir a célula fundamental da sociedade portuguesa.

“A Igreja passou a ser o centro de unidade das freguesias, como o “palatium” o fora das vilas e o “oppidum” das cividades.

As duas instituições sucedem-se mas não se confundem; as vilas foram propriedades em todo o rigor da palavra; a freguesia é uma espécie de comuna sem carta, que se forma em volta do campanário.

Precisar a data em que uma deixa de existir e começa a outra é impossível; transformações destas efectuam-se lenta e parcialmente.

Estas comunidades não só pela assistência permanente do pároco como pela própria existência da Igreja onde os vizinhos se podiam reunir com regularidade - de centros de vida religiosa- transformaram-se em centros de actividade sócioeconómica.

Sobre as paróquias da região e da sua origem pouco ou nada de positivo se conhece, pela carência de fontes documentais, que só começam a surgir após a fundação do Mosteiro de Lorvão.

O Padre Pierre David procurou mostrar, no entanto, que a vida religiosa da região de Entre Douro e Mondego continuou os hábitos litúrgicos dos séculos V ao VIII, ou seja antes da invasão muçulmana.

A invasão muçulmana e o posterior movimento da Reconquista Cristã perturbaram a vida económica e social da Terra de Besteiros e, principalmente, a sua vida religiosa. De muitas igrejas apenas ficaram ruínas.

O movimento de ocupação das terras incultas ou desaproveitadas, o aparecimento de novos senhorios e o consequente repovoamento fizeram surgir novos colonos e novos elementos da população rural.

Estes elementos acabaram por se incorporar nos quadros religiosos das primitivas paróquias, novos nichos de Cristandade, que subsistiram para além das destruições e que mantiveram a lembrança dos antigos oragos. Quando foi preciso restaurá-las havia pessoas que, ainda, se recordavam do nome dos Santos que os seus antepassados tinham venerado.

No entanto, a partir de meados do século VII, como escreveu Monsenhor Miguel de Oliveira, na mesma linha de pensamento do Padre Pierre David, todas as igrejas passaram a ter titular. «Deu-se então a algumas das catedrais e paróquias a invocação do Salvador e, ainda com mais frequência, a de Santa Maria, em virtude de se haver estabelecido no pensamento cristão uma assimilação simbólica entre a Mãe de Deus e a “ecclesia mater” (4).

É o caso da Igreja de Tondela que aparece designada por Igreja de Santa Maria de Tondela, prova da sua antiguidade.

As Inquirições de 1253, referentes à Terra de Besteiros, mostram-nos que as igrejas paroquiais eram, em geral, apresentadas pelos seus “fregueses” e dispunham, quase todas, de amplos rendimentos para a côngrua, sustentação do culto e dos seus ministros e, são frequentes as referências a doações e testamentos à Igreja de Tondela, como os de Paio Gonçalves, no Vinhal e D. Mariana, no Arnal, limite de Tondela, no tempo de D. Sancho II embora, por vezes, surjam dúvidas e contestações relativas à sua legitimidade.

Foi, igualmente, o que aconteceu com a Igreja de Tondela.

Martinho Soares, pároco das igrejas de Santa Eulália e de Castelões, declara ter ouvido dizer a João Dias, de Tonda, seu avô juíz de Besteiros, que só metade da vila de Tondela era do Rei e que para o atestar havia sido posto um marco à porta da Igreja por Raimondus Pelagii, tenente régio “qui tenebat terram a Domino Rege”

Passado algum tempo, outro tenente régio D. Rodrigo Sanches demandou a Igreja de Tondela e a outra metade da vila e, para desistir do pleito os homens da vila tiveram de lhe dar 500 soldos e outros 100 o pároco da Igreja, Estevão Fernandes.

A Igreja que era Matriz estava situada, segundo se pode ler no «Santuário Mariano», no «sítio a que hoje dão o nome de Adro Velho que fica fora da vila em passais da Igreja».

Nas Inquirições de 1285, de D. Dinis, as freguesias do Julgado de Besteiros aparecem designadas pelo nome do seu patrono e, entre elas, a de Tondela – Santa Maria de Tondela - que em l321, ainda no mesmo reinado, aparece lotada em 110 libras, sendo uma das mais ricas do arciprestado de Besteiros.

Chegamos ao século XVI e Tondela prospera, amplia-se, ganha em extensão e em riqueza não só por ser o tipo perfeito de um núcleo populacional determinado por um conjunto de vias de comunicação mas, igualmente, devido à laboriosidade dos seus moradores.

Assim, por volta de 1570, é necessário construir uma nova Igreja Matriz, a meio da vila, pela distância a que ficava a antiga igreja, situada junto do núcleo primitivo de Tondela – o bairro do Casal.

Vejamos o que nos diz o “Santuário Mariano” (5):

“Pela distância a que ficava (a primitiva matriz) e humidade do sítio se mudou pelos anos de 1570, pouco mais ou menos, para o meio da vila, onde está (...) com adro tapado, com terrapleno, com grande comodidade para a gente da freguesia”.

Esta segunda matriz de Tondela, após reconstrução posterior, é a actual Igreja de Nossa Senhora do Carmo.

A Igreja de Tondela tinha por padroeira, como se pode ler no “Santuário Mariano”, - “a Virgem Senhora da Assunção com quem todos aqueles moradores têm muito grande devoção. É esta Sagrada Imagem, muito antiga, e sempre foi a Patrona e Orago daquela vila”.

Aquando da construção da nova Igreja, em 1570, foi “esta Santíssima Imagem colocada na capela-mor no meio do retábulo. É esta Santíssima Imagem muito antiga (...) em pedra de muito boa escultura e pela perfeição das suas roupas se permite lhe ponham alguns adornos e vestidos. Tem o Menino Deus em seus braços”.

Ainda, a respeito desta Imagem, escreve o mesmo autor:

“Daqui me persuado que o título de Assunção é mais moderno, porque o ter o Divino Jesus Menino em seus braços não se ajusta com o Mistério da Assunção e, assim, em seus princípios a invocariam com o nome de Santa Maria de Tondela. Por causa do título a festejam em 15 de Agosto”.

A Imagem Padroeira desapareceu podendo este facto estar ligado às profundas convulsões político-sociais de que Tondela foi teatro na primeira metade do século XIX – invasões francesas e lutas liberais.

Tinha a Padroeira uma irmandade, concedida por Bula do Papa Clemente X, de 12 de Junho de l671, sendo os seus Estatutos aprovados, em sede vacante, pelo provisor do Bispado Francisco de Almeida Castelo Branco.

No entanto, o mais claro sinal da prosperidade de Tondela no século XVI – revelador ao mesmo tempo da sua cultura e do seu fervor religioso – são um cálice e uma custódia de prata dourada que, no dizer de Amadeu Ferraz de Carvalho, “ainda hoje os tondelenses devem considerar como a coisa mais rica, mais preciosa, de maior valor artístico que os seus antepassados lhes legaram”.

O cálice, embora de estrutura medieval, denuncia, pela sua ornamentação, características renascentistas. A forma geral do cálice – da haste, do nó, das molduras, do recorte da base e dos caracteres da legenda – IN MEI MEMORIAM FACIETIS - é característica da segunda metade do século XV - mas a cobertura decorativa situa-o, definitivamente, no século XVI.

A base fortemente chanfrada é decorada à maneira renascentista e a copa, da qual pendem seis tintinábulos, é circundada por seis cabeças de querubins com ornamentos, igualmente, renascentistas, podendo datar-se dos finais do segundo terço do século XVI.

A custódia, puramente renascentista, tem hostiário com a forma de caixa rectangular envidraçada, apresentando colunas abalaústradas nas arestas. Na parte superior, sobrepujada por uma cúpula formando arcada, há um edícula sob o qual se vê a Virgem com o Senhor morto nos braços. A peça remata superiormente pela figura de Jesus Crucificado. O nó tem a forma de urna ornada de grinaldas e a base é historiada.

Constitui um conjunto de precioso labor e de uma beleza rara e harmoniosa.

Já, na segunda metade do século XVII, por morte do Bispo D. Manuel de Saldanha, D. Pedro II nomeia para a cátedra episcopal de Viseu D. João de Melo que, tomou posse a 23 de Novembro de 1673 e fez a sua entrada solene a 15 de Setembro do ano seguinte (6).

Cinco anos após a sua entrada na Diocese, D. João de Melo tem pronta para ser enviada para a Sagrada Congregação de Roma uma “Instrução e Relação da Catedral da Cidade de Viseu e mais Igrejas do Bispado”, datada de 20 de Outubro de 1675, que repartiu o território diocesano em oito arciprestados, entre eles o de Besteiros. Em todos eles, havia arciprestes com jurisdição limitada pelas Constituições Sinodais, com os seus escrivãos e meirinhos, por estarem distantes da cidade.

A Igreja de Tondela, estava incluída no Arciprestado de Besteiros e era da invocação de Nossa Senhora da Assunção.

Vejamos o que diz a “Relação”:

“Vigararia perpétua de apresentação ordinária. Comenda da Ordem de Cristo. Tem Sacrário, dois altares colaterais, invocações do Santíssimo Sacramento e Nossa Senhora do Rosário. Tem coadjutor anual. Sacerdotes treze. Diáconos um. Subdiáconos um. Pessoas maiores seiscentas e quarenta e cinco. Menores cento e trinta e seis. Ermidas três. Está suficientemente ornada” (7).

Na sua «Corografia Portuguesa» (1718) o Padre Carvalho da Costa (8) refere-se á freguesia de Santa Maria de Tondela como “vigayraria do Bispo” com duzentos e setenta vizinhos.

Da situação de Tondela, no primeiro quartel do século XVIII, mais precisamente em 1732, conhecemos a “Relação” enviada pelo Reitor Silvério Pereira Teles para o «Dicionário Geográfico», do Oratoriano Padre Luís Cardoso.

No seu “Relatório” a respeito da Igreja de Tondela escreveu Silvério Teles:

“A Igreja está no meio da vila e haverá duzentos anos que para ali se mudou e até esse tempo estava fora dela em o sítio a que chamam “adro velho” adonde o pároco tem os seus passais. Em tempo era abadia e hoje é Reitoria que apresenta o Prelado e o Pároco terá de renda 15000 reis (...). O seu orago é Santa Maria de Besteiros (...). O Pároco lhe faz a sua festa a 15 de Agosto, dia de Nossa Senhora da Assunção”.

A freguesia de Tondela possuía, nesta época, três irmandades: uma de clérigos de que era Padroeira Nossa Senhora da Assunção cuja festa se realizava no último dia do seu oitavário; uma do Carmo em que, em todos os terceiros domingos de cada ano, se lhe cantava a ladainha e se lhe fazia uma procissão e, no seu dia, uma festa solene com indulgência plenária e a do Espírito Santo donde saíam duas procissões que lhe faziam os irmãos, uma no Domingo da Paixão – a dos Passos – e, na Sexta-feira Santa – a do Enterro.

A irmandade do Espírito Santo organizava, igualmente, a procissão de “Quinta-feira do Corpo do Senhor” a que tinham a obrigação de assistir a Câmara, as Cruzes e os clérigos da freguesia.

A partir da terceira década, da segunda metade do século XIX, a dinâmica urbana de Tondela vai modificar-se profundamente.

Na sequência da política de fomento iniciada, em 1852, com Fontes Pereira de Melo (9) que visava gerar os estímulos indispensáveis ao desenvolvimento do capitalismo industrial e financeiro era necessário que se procedesse a um desenvolvimento e aperfeiçoamento do nosso sistema viário de maneira a torná-lo rápido e barato. Esta política de fomento viário levou à abertura de novas estradas que passavam em Tondela – a estrada real nº 8 ligando Mealhada a Viseu e a estrada real n.º 45 que ligava Aveiro a Tondela, passando pela Serra do Caramulo.

O desenvolvimento de Tondela acentua-se, em grande parte, devido à sua situação geográfica na confluência das duas vias de comunicação uma vez que punham os homens e as populações em contacto, uns com os outros, constituindo o “sistema circulatório de todo o organismo social”.

E se o seu desenvolvimento vai provocar um aumento populacional gera, também, uma nova centralidade e a necessidade de edificar uma nova Igreja Matriz – a actual – que se vai localizar na confluência dessas vias de comunicação constituindo como uma espécie de remate ou andar superior do povoado tondelense marcando-lhe, por isso, o seu perfil sobressaindo desse mesmo aglomerado e parecendo dar pela linha vertical da sua torre um impulso para o Céu.

Para a edificação da nova Matriz houve necessidade de se proceder à expropriação de terrenos como o demonstra o seguinte decreto:

“Tendo a Junta de Paróquia da freguesia de Tondela, nos termos do artigo 167.6 do Código Administrativo, deliberado requerer a expropriação por utilidade pública de duas porções contíguas de terreno pertencentes aos herdeiros de D. Maria Horta e de Rachel de Almeida, para obter o local onde tem de ser edificada a sua nova igreja matriz; e havendo sido, a requerimento da mencionada junta de Paróquia, instaurado o respectivo processo em conformidade com a carta de lei de 23 de Julho de 1850, hei por bem conformando-me com o parecer da conferência dos fiscais da coroa e fazenda, decretar a utilidade pública da expropriação dos terrenos constantes das plantas parcelares que acompanham o presente decreto (...). O ministro e secretário de estado dos negócios do reino afim o tenha entendido e faça executar – Paço, em 8 de Março de 1879 –Rei [D. Luís] – António Rodrigues Sampaio.

A 3 de Maio de 1879, o Administrador do Concelho de Tondela, Dr. António Marques de Oliveira, através do oficial de diligências manda intimar os herdeiros de D. Maria Horta e Rachel de Almeida da expropriação dos citados terrenos, junto ao largo de Santana, por utilidade pública.

Posteriormente, a Junta de Paróquia de Tondela representada pelo seu Presidente Caetano Cardoso Figueira e pelos vogais Albino José Pereira da Silva, Manuel José Pereira Correia, António Simão e Germano José de Matos dirige petição ao Juiz de Direito no sentido de que, após os trâmites legais, mande avaliar a indemnização que a Junta de Paróquia terá de pagar.

Cumpridas todas estas formalidade procedeu-se à construção da nova Igreja Matriz em estilo neogótico, de uma só nave, com arco cruzeiro e altares em talha, conhecendo-se as propostas de orçamento para a execução do projecto do muro e escadas do adro, no valor de 710 e 720 mil réis.

A escadaria principal teria 12 degraus curvilíneos, formados por três arcos de círculo aparelhados a picofino e com as arestas tiradas a cinzel.

As alvenarias seriam de granito e as guardas e o cordão do muro em cantaria bem aparelhada a picofino e as arestas igualmente tiradas a cinzel.

Conhecem-se, igualmente, as condições para a empreitada “da cobertura e mais trabalhos de carpintaria precisos na igreja matriz de Tondela”, sendo o prazo para a sua execução de 120 dias a partir da data da sua aprovação.

A Igreja Matriz ficou concluída em 1889.

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Em 1958, a Igreja Matriz começou a dar sinais de evidente degradação e o seu Reitor, Padre José Tavares Baptista, tomou a iniciativa de proceder ao seu restauro. Antes de iniciar as obras, no Verão de 1958, chamou um arquitecto do Porto para o orientar nos trabalhos que iriam ser iniciados.

O arquitecto ao observar o interior da Igreja Matriz, emitiu o seguinte parecer: “Outrora, quando construíam uma igreja, todo o cuidado e esmero se concentravam na capela-mor. Aqui deve ter acontecido o contrário. Construíram a fachada, que é grandiosa e rica em granito lavrado. Gastaram muito dinheiro, pelo que terá faltado para a capela-mor, que acabaram de qualquer forma”.

Na realidade, os pouquíssimos documentos que possuímos dos anteprojectos para a Igreja Matriz e, destes, ainda muitos estão mal conservados, parecem revelar que não foram executados na sua totalidade.

Como salientava, o Reitor José Tavares Baptista “o altar-mor com o respectivo trono, tinha umas tábuas pintadas, com umas listas douradas, com ausência de talha. Outro tanto acontecia nos quatro altares laterais”.

Com as obras de beneficiação realizadas, entre 1958 e 1964, a Igreja Matriz sofreu profundas modificações que a descaracterizaram – destruição da decoração do altar-mor e altares laterais e rebaixamento da sua altura interior.

Em 1973, o Eng. Sérgio Pereira da Silva, Engenheiro Chefe dos Serviços Técnicos de Obras, da Câmara Municipal, em ofício ao Presidente da Câmara, chama a atenção para o facto do relógio da torre sineira da Igreja Matriz “velho relógio de pesos, de horas e quartos simples”, “relógio oficial da vila”, não merecer conserto e ser impossível mantê-lo numa “marcha regular”, lembrando que ultimamente várias pessoas o têm contactado “lamentando os prejuízos ou, pelo menos o incómodo, que causa o regularem-se por um relógio que, em poucos dias, atrasa bastantes minutos, sobretudo para horários de camionetas e outros, e nada abona em favor de Tondela”.

O relógio adquirido, em 1974, após concurso entre diversas casas da especialidade, no valor de 28.000$00, foi um relógio electo-automático, de horas e quartos duplos em “dim-dam” (horas num sino e quartos num outro), sem pesos pela torre abaixo, de corda automática, a colocar na sacristia, sendo tanto o matraquear, por meio de dois potentes martelos eléctricos colocados junto dos dois sinos, como o comando dos ponteiros, à distância, com acerto automático, após uma falta de energia eléctrica.

O relógio continha um dispositivo adaptado para anúncio automático das Trindades de manhã, ao meio-dia e ao pôr do Sol, por 9 pancadas em três séries, no sino do matraquear das horas, com horários reguláveis de Verão e de Inverno e, ainda, uma botoneira para repique, a adquirir pelo Reitor da Igreja Matriz, Padre José Tavares Baptista (10).

Ainda no mesmo ano, procedeu-se a obras de restauro exterior de rebocos e caiação, bem como limpeza de cantarias (11).

Em 1989, comemoraram-se os Cem Anos da construção da Igreja Matriz com várias cerimónias e actividades realizadas no dia 8 de Outubro. A Sessão Solene foi presidida pelo Vigário Geral da Diocese, em representação do Bispo de Viseu, D. António Monteiro em que produziram intervenções o Dr. Albano de Abreu, em nome da Liga Eucarística dos Homens, núcleo criado em 1961; Carlos Tenreiro da Cruz sobre a Legião de Maria que iniciara a sua actividade em 1973; José Pereira sobre o Movimento dos Cursos de Cristandade e a sua acção desde 1964; D. Alice Ventura que descreveu as actividades desenvolvidas pela Acção Católica desde 1962 e Dr. António Martinho que historiou as origens da Paróquia de Tondela, encerrando a sessão o Vigário Geral da Diocese.

Ao fim da tarde o Senhor Bispo de Viseu, D. António Monteiro, após se ter paramentado, seguiu em cortejo para a Igreja Matriz onde teve lugar a celebração da Eucaristia com “a solenidade que o momento recordava”.

Em 1992, a Fábrica da Igreja Paroquial de Tondela, representada pelo Cónego José Tavares Baptista, vai proceder à construção do Centro Paroquial, nas imediações da Igreja Matriz confrontando do Norte com o Adro da Igreja, a Nascente com os herdeiros de Melo Cabral, do Sul com a Avenida General Humberto Delgado e do Poente com o loteamento de Armelim Coimbra, decorrendo a execução da obra sob a responsabilidade profissional do Arquitecto João Manuel Igrejas Leite (12).

Mais, tarde, em Julho de 1999, sob a direcção da Arquitecta Rita Maria Cantisano Diz procedeu-se aos arranjos exteriores do Adro da Igreja Matriz, obra requerida pela Fábrica da Igreja (13).

Ainda em 1999, mas, sendo já Pároco de Tondela, o Padre Carlos Ângelo, em colaboração com o Conselho Paroquial, decidiu iniciar os estudos conducentes ao restauro da Igreja Matriz visando recuperar a sua traça original. Nesse sentido, vão ser auscultados vários serviços e instituições oficiais e, entre eles, a Comissão Diocesana de Arte Sacra que, após profundos estudos, aconselharam e apoiaram o Padre Carlos Ângelo e o Conselho Paroquial a realizar a recuperação da Igreja Matriz.

O restauro da Igreja Matriz processou-se em duas fases – realização de trabalhos de construção civil, a cargo da Firma José da Costa, e Filhos e, posteriormente, a execução de um retábulo e sua aplicação.

As obras de construção civil abrangeram – a recuperação e restauro das paredes interiores e exteriores pela renovação do reboco e saibro e colocação de um novo reboco; isolamento da torre e janelas; substituição da estrutura do coro por uma placa de cimento; arranjo da sacristia e piso superior à mesma o que iria permitir a utilização destes espaços em função das necessidades actuais da Igreja e limpeza geral da cantaria interior e exterior do edifício e do adro acompanhada de pavimentação, electrificação e sistema de drenagem das águas do adro.

No início dos trabalhos de construção civil constatou-se que, nas obras de restauro, dos finais da década de 50, a altura das naves e da capela-mor tinha sido rebaixada o que levou, agora, à realização de trabalhos de recuperação da altura original da Igreja, com demolição do tecto e cornija de cimento colocando à vista a cornija primitiva em granito.

Após conclusão destes trabalhos procedeu-se à execução e aplicação do tecto em caixotões de madeira de castanho com um motivo extraído dos púlpitos, “peça remanescente do enquadramento primitivo da Igreja”, obra executada pela empresa “Arte e Talha – Conservação e Restauro – Unipessoal, L.da”, de Santa Comba Dão.

A fase dos trabalhos de restauro envolveu a concepção, a execução e a aplicação do retábulo.

A concepção-execução do retábulo visava recuperar as linhas e volumes originariamente presentes na Igreja uma vez que, como escreveu o Padre Carlos Ângelo o grande objectivo do restauro consistia em devolver à Igreja “aquela que é “a matriz” dos seus espaços celebrativos, uma renovada presença de beleza”.

E acrescenta o padre Carlos Ângelo, recordando as palavras de Sua Santidade o Papa João Paulo II, de saudosa memória, na sua Carta aos Artista (1999): “Para transmitir a mensagem que lhe foi confiada, a Igreja tem necessidade da arte. Deve tornar perceptível e, ainda mais, na medida do possível, tornar fascinante o mundo do espírito, do invisível, de Deus. Por isso tem que transpor para formas significativas aquilo que, em si mesmo, é inefável. Ora a arte tem uma capacidade muito própria de captar os diversos aspectos da mensagem, traduzindo-os em cores, formas sons que estimulam a intuição de quem os vê ou escuta. E isto, sem privar a mensagem do seu valor transcendente e do seu carácter de mistério” (14).

Deste modo, o retábulo teria de atender “às legítimas aspirações de uma comunidade que exprimia a saudade de um enquadramento primitivo do seu espaço celebrativo, entretanto desaparecido, e, por outro lado, acrescentar uma nota de contemporaneidade”.

Na realidade o retábulo recuperou as linhas e os volumes da decoração da velha Igreja Matriz “com base nos seus elementos remanescentes, tais como os púlpitos, tocheiros, guarda-vento e sacrário”, foi concebido e executado, pela empresa “Arte e Talha”, a mesma que já executara os caixotões do tecto da Igreja e iria montar, igualmente, o políptico fruto “do engenho e da arte” de Serge Nouailhat (15).

O políptico é constituído por 6 grandes telas distribuídas por três níveis – na base as telas da “Anunciação”, “Nascimento do Menino” e “Bodas de Caná”, no segundo nível “Ascensão” e “Pentecostes” e no último “Ressurreição” para o qual aponta todo o conjunto artístico “verdadeiro oxigénio de beleza”.

Após um período de estudo e reflexão do projecto do políptico o contrato de adjudicação foi assinado a 7 de Fevereiro de 2007 (16).

O Comendador Eduardo Brás, entretanto falecido, realizou a dádiva do políptico oferecendo cada tela, por cada um dos seus filhos, a saber, António Monteiro Brás, José Fernandes Brás, Ana Maria da Encarnação Kirby, Eduardo João Monteiro Brás, Fernando Monteiro Brás e Fernanda Luísa Hardy Brás.

A cerimónia de inauguração do retábulo da Igreja Matriz, “Para maior Glória de Deus”, realizou-se no dia 16 de Março de 2008, Domingo de Ramos (17), como consta num memorial, em lugar de destaque, no adro da Igreja, constituído por uma placa de granito com a antiga Cruz, em ferro forjado, que encimava a torre sineira da Igreja, aí chumbada e colocada pelo tondelense Adelino Lopes, e que fora substituída por uma cruz luminosa, em 1977.